José Conde Rodrigues é um dos mais experientes professores do CIAGA. Atualmente, ministra a disciplina de ARQ-2 (Arquitetura Naval 2) para os alunos do primeiro ano, sendo reconhecido por seu carisma e dedicação ao lecionar. A entrevista que se segue foi realizada a fim de dividir com o círculo mercante a visão e sabedoria de quem teve a oportunidade de trabalhar em diversas áreas da atividade naval, sendo bem-sucedido por onde passou, fosse a bordo ou em terra.
1. O que motivou o senhor a ingressar na MB?
O que primeiramente me motivou foi o exemplo do meu irmão, não posso negar, que ingressou na Marinha 5 anos antes. Nós éramos de família pobre e naquela época não havia muitas opções de curso superior. Éramos muito estudiosos; ele fez o concurso do Colégio Naval, meus pais me incentivaram e eu realmente gostei. Mas não foi por causa de pai e mãe que fiquei… na verdade, sempre vibrei muito – fiquei por vocação mesmo. Exemplo e vocação foram minhas motivações, não sei dizer quanto mais de um ou de outro.
2. Em quais ramos o senhor teve a oportunidade de trabalhar?
Me formei em Engenharia Naval em 1975. Nos primeiros anos, como uma prática normal no arsenal de Marinha, o engenheiro deve ir pra área de reparo naval. Fiquei nessa área alguns anos e aprendi muito, pois o reparo naval dá uma boa visão de vários tipos de instalação de máquinas, além de ser mais rápido – se 3 anos é o tempo gasto na construção de um navio, no reparo, em 3 anos, é possível ter contato com 5, 10 navios. O fato de o navio vir pronto, ser consertado e logo depois devolvido fazia com que rapidamente outros navios entrassem. Tive a sorte de ir para o reparo naval na época do “boom” econômico, em que havia muito trabalho. Trabalhei muito em porta-aviões, nos destroyers e, em algumas épocas, também com os submarinos. Foi assim até quando fiquei mais graduado, como Capitão de Corveta, e fui fazer Engenharia Naval. Me formei em Engenharia Naval de Estruturas e Engenharia Naval de Máquinas.
3. Qual deles foi o mais marcante em sua carreira? Por quê?
O ano mais marcante na minha carreira de engenheiro foi sem dúvida quando nós logramos o término da modernização do Porta-Aviões Minas Gerais. Era uma obra que até nós mesmos duvidávamos que seríamos capazes de fazer, tamanha complexidade. Foi um grande passo tecnológico que conseguimos.
4. O senhor já enfrentou situações de grande dificuldade a bordo? Como procedeu diante da maior adversidade que encarou?
De toda carreira naval se leva alguma situação de dificuldade, algumas com risco de vida. É preciso ter tranquilidade e profissionalismo, bem como rapidez de ação. Comigo, houve uma situação específica, a bordo de um cruzador: estávamos embarcando um lote de munição, pendurado num guindaste, e o cabo arrebentou, de modo que a munição se espatifou no convés principal – e não explodiu. Tivemos que ser muito rápidos; foi um dia de muita tensão.
5. Em contrapartida, qual o momento de maior felicidade e realização vivenciado pelo senhor em sua carreira?
Felicidade? Foram muitas… não posso negar que passamos por um furacão uma vez, e, quando terminou, ficamos muito aliviados.
Uma realização foi saber que nós conseguimos construir as corvetas. Era uma obra de muita gente e tivemos êxito na construção de navios tão modernos. O corpo de engenheiros ficou muito feliz com isso, foi uma satisfação geral.
6. O senhor teve experiência direta com o setor de construção naval. Há abertura para oficiais de Marinha Mercante no trabalho em estaleiros? Que funções é possível exercer?
Há, sim, espaço para oficiais de Marinha Mercante em estaleiros. Não só de aplicação direta de engenharia é feito um navio; além da construção do navio em si, existe a necessidade de um projeto de logística. Hoje, em qualquer projeto da nossa Marinha, existem pelo menos 3 comandantes, pessoal que já guarneceu embarcações, dando conselhos aos engenheiros. A experiência dos homens do mar na obtenção de novos navios é fundamental, senão, é feito um navio que pode não ser muito bem aceito pelo pessoal de bordo. Existe trabalho na parte de materiais, na parte administrativa, inclusive influenciando na alteração de desenhos, devido a certos requisitos. Não há distinção de Oficiais de Náutica ou de Máquinas para a atuação nos estaleiros.
7. O Brasil viveu um momento de ápice e posteriormente uma série de dificuldades se abateram sobre a construção naval brasileira durante anos 70 e 80, numa rápida sucessão de acontecimentos. O senhor presenciou ambas as situações. Como essa mudança repentina foi recebida por todos? De que forma os impactos dessa transformação foram sentidos?
Durante o “boom”, víamos aquilo com tanta normalidade que achamos que a construção naval iria crescer pra sempre. Achamos que era algo que havia chegado pra ficar. Quando a situação se inverteu, na década de 80, foi uma frustração muito grande, principalmente dos técnicos. O problema não foi técnico, nem de engenharia – foi conjuntural. O pessoal técnico se sentiu muito frustrado, pois não podia mais crescer, e queria crescer! A economia não deixava. Nos anos de crescimento houve muito orgulho, muita euforia, e nos anos em que a produção decresceu houve muita frustração. As causas foram também uma sequência de fatos internacionais, como a crise do petróleo e a falta de investimento. Não era possível ter uma grande fonte de recursos canalizada para a construção naval.
8. A construção naval brasileira vive um momento promissor de renovação e crescimento. Na sua perspectiva, quais são as expectativas para o futuro?
As melhores possíveis! Eu sou muito otimista. Os agentes que são capazes de fomentar a construção naval estão aquecidos; são eles a Petrobras, na sua tarefa de prospecção em alto mar, o Offshore, bem como a própria Marinha. Há um entendimento maior da sociedade brasileira de que a Marinha precisa acompanhar o crescimento do comércio e da responsabilidade do Brasil no mar. O Pré-Sal também será uma grande mola para o país. Tenho uma grande expectativa de que o crescimento será rápido. Claro, será necessário injetar muito dinheiro, mas já foi preciso muito dinheiro e foi possível, até mesmo numa época que tínhamos a balança desfavorável. É preciso também grande investimentos em infraestrutura de portos e estradas, só o navio não resolve todos os problemas.
9. Dada sua experiência, quais das principais características do mercado atual podem deixar otimistas os futuros mercantes?
O mercado está muito globalizado, então ninguém quer o mal de ninguém. O capital oscila, em função da rentabilidade que o país A ou B proporciona. Há uma competição internacional, acho que não vai faltar emprego pra ninguém. Fico temeroso se a quantidade de pessoas que são necessárias ao emprego e a quantidade disponível vão se encaixar. Por um lado, há grande oferta de empregos especializados, por outro, há grande quantidade de desempregados que não têm especialidade.
E quanto aos cursos oferecidos por fora?
Em educação, tudo soma. Não pode fechar a escola A porque abriu a B, ambas são importantes. Curso à distância, por correspondência… qualquer tipo de curso, tudo soma. A educação é um esforço que deve ser da sociedade inteira.
10. Quais conselhos o senhor deixaria àqueles que representam o futuro da Marinha Mercante brasileira, almejando uma carreira de sucesso?
O conselho que eu dou é o seguinte: estudem muito, se aperfeiçoem muito, sem parar. Sejam sempre parte da solução, nunca sejam parte do problema. Quanto mais pessoas no país forem assim, melhor a sociedade caminhará – em todas as áreas, não só na Marinha. O que eu posso fazer? Posso fazer a minha parte. Se eu trabalho nisso, tenho que ser bom nisso. Alguns me perguntam sobre satisfação pessoal, e, olhando pra trás na minha carreira de Marinha, seja de engenheiro ou não, eu me sinto realizado, porque tenho certeza que fiz parte da solução.
Quando decidimos promover essa entrevista, vários alunos pediram que fosse feita uma pergunta adicional, que é curiosidade de todos. É nítida e nos faz refletir a imensa dedicação que o senhor tem para ensinar e transmitir seus conhecimentos, quando esses conhecimentos, agregados a toda sua experiência, poderiam levá-lo a outros caminhos, a exercer uma gama de funções muito além da sala de aula. No entanto, sua escolha é justamente estar aqui. Por quê?
A primeira coisa que me vem à cabeça é que tenho uma consciência cívica de que é preciso preparar as novas gerações. É possível fazer isso de diversas maneiras. Às vezes, você está muito envolvido no seu trabalho, mas o ensino é algo de que gosto particularmente porque é muito bom e muito bonito ver o olhar de interesse no rosto de vocês. Eu gosto de ensinar no sentido de que não sou egoísta no que eu sei, e aprendi isso na Marinha. No meio de Marinha, quanto mais se ensina, melhor. Todos os dias eu venho ensinar contente, motivado, pra ver vocês evoluindo. Hoje mesmo eu disse, “vocês lembram como eram em janeiro, quando aprenderam proa e popa?”. Eu gosto de ver que vocês estão cada vez mais aptos. Já fui sondado para outras áreas, mas preferi vir pra cá.
Por isso, nós o agradecemos, mestre. Agradecemos pelo seu trabalho, sua paciência e atenção, pelo empenho que o move todos os dias apenas para acompanhar nossos passos em direção ao futuro da profissão mercante, que é também parte do futuro do Brasil. Sua motivação também é nossa. Chamá-lo de mestre é um gesto que vai além do respeito que possuímos por sua formação e experiência – é também uma forma de expressar admiração por aqueles que não se limitam ao próprio crescimento, mas também se dedicam a nos engrandecer.
É com o seguinte pensamento que encerramos essa entrevista:
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